terça-feira, 16 de março de 2010

O MOSTRENGO - Mensagem

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
                                                                                     
          Fernando Pessoa in Mensagem

 Tópicos de análise:
1.    Simbologia do mostrengo;
2.    Importância do “homem do leme”: a concepção de herói que lhe está subjacente; a missão que assume; a representatividade como herói colectivo;
3.    Simbologia do número três;
4.    Estrutura narrativa e tom épico do poema;
5.    Figuras de estilo;
6.    Análise comparativa entre este poema e o Adamastor (caracterização de ambos, atitude do Homem face ao desconhecido, atitude do “monstro” face aos portugueses, reacção do “homem do leme” e de Vasco da Gama, desfecho).

Nota: Podes confrontar as tuas respostas com as seguintes orientações de correcção.

terça-feira, 9 de março de 2010

MENSAGEM - Simbologia

A Mensagem reparte-se em dois vectores:
ü      busca ôntica – procura da essência da lusitanidade e definição da nossa idiossincrasia
ü      inquirição – questionação do mesmo histórico a seguir e a fazer seguir como projecto nacional colectivo
Pessoa é um exemplo desta obsessão nacional – a espera de um Messias.
A história de Portugal não oferece problemas à elaboração de um mito nacional. Ela está cheia de elementos e contém já um grande mito, o sebastianismo. Pessoa distinguiu o seu sebastianismo, apelidando-o de racional. O regresso de D. Sebastião é associado ao aparecimento do Quinto Império. Pessoa abandona os Impérios materiais para elaborar impérios espirituais – Grécia, Roma, Cristandade, Europa pós-renascentista e, agora, Portugal. O Quinto Império já estava escrito nas trovas do Bandarra e nas quadras do Nostradamus. O nacionalismo tradicional é superado por um nacionalismo cosmopolita.
Pessoa, criador do fundo e da forma do mito, anuncia-se como um supra Camões. A realidade é activada pelo Mito (força catalizadora).
O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.
«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»
O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade.
ü      D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.
ü      D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).
Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.
ü      D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e sublimação do espírito)
O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.
O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .
O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da criação.
O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.
O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos do mundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia). Note-se que cada período lunar tem 7 dias e existem 4 fases que fecham o ciclo. Perpassa a ideia de algo que se completa, de um ciclo que se fecha. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com o masculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão e Eva, o Sol e a Lua.
O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.
Se o sete é o número da perfeição, o três da divindade, o cinco é o número da evolução espiritual do homem.
Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas (D.Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião). O Brasão está dividido em 5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos, Quinas, Coroa e Grifo).
N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.
O doze assume relevância na segunda parte da Mensagem - Mar Português. Doze são os poemas de Mar Português , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 os Cavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zoodíaco. O número 12 é o número da acção. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado na vida activa (a posse dos mares).
O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.

Nota: Para complementar o estudo da Mensagem de Fernando Pessoa, aqui ficam alguns diapositivos.